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10.10.07

Novas Configurações Familiares

Escrito por: Rodrigo da Cunha Pereira*

Fonte: Ascom - IBDFAM

Uma avó pernambucana de 51 anos de idade, deu a luz semana passada a dois meninos gêmeos que são na verdade filhos de sua filha, por fertilização “in vitro”. Por este mesmo método nasceu em Belo Horizonte , em 30/05/2004, uma criança gerada em útero de substituição, cuja mãe portadora era ao mesmo tempo a avó. Estes dois casos, noticiados pela imprensa brasileira, são apenas uma pequena demonstração da capacidade e conseqüência da evolução da engenharia genética. Estas interferências nas formas da organização familiar tem evoluído muito mais rápido que o Direito. Temos aí um problema jurídico. A certidão de nascimento dos filhos nascidos em útero de substituição, no rigor da lei, deve ser em nome da avó, ou melhor da “locadora da barriga”. Contradição entre as regras jurídicas e a vida como ela é.

Em 2005, no interior de Minas Gerais, uma jovem mulher teve um filho de seu marido, com quem era casada pelo regime de separação de bens em razão dele ter mais de sessenta anos, através de uma inseminação artificial nada convencional. Ela colheu o sêmen do marido rico, em estado vegetativo há muitos meses. Assim, conseguiu que a transferência da fortuna do infortunado marido garantisse-lhe, através do filho, a sobrevivência e uma boa vida de futura viúva. Interesses de mercado? A ciência fazendo o mal?

Uma novidade no mundo jurídico são os “contratos de geração de filhos”. Explico e exemplifico. Um homem de 35 anos de uma pacata cidade de Minas Gerais, casado com uma mulher de mais de 50 anos e que não deseja mais ter filhos, além daqueles que já teve de seu casamento anterior, quer ter filhos. Como não será possível tê-los com sua esposa fez um contrato escrito com uma outra mulher, que, em ato de generosidade, aceitou gerar um filho dele através de uma inseminação artificial. Tudo isto com a concordância do respectivo marido da futura mãe, e da respectiva esposa do pretenso pai. Caso os fornecedores do material genético, não fizessem um “contrato de geração do filho”, estariam se arriscando a ter a criança registrada em nome do marido da mãe, em razão de presunção da paternidade em decorrência do casamento da mãe.

Estes novos arranjos familiares até parecem coisas futuristas. Nem Julio Verne, o famoso escritor com antevisão do futuro, imaginaria que teríamos tantas novas configurações familiares. Mas o futuro já chegou. Isto não é imaginação de obra de ficção científica. A vida é mesmo muito mais rica do que pode imaginar nossa vã filosofia. Não se pode deixar de falar também daquelas novas configurações que têm conteúdo, ou repressão, de uma moral sexual e social, como por exemplo: as uniões homoafetivas, que têm sido cada vez mais reconhecidas e legitimadas pelo Direito.

É claro que a evolução científica atende também a interesses de mercado. Mas não só. Talvez a ciência não tenha mesmo limites morais. Ainda bem. Foi ela que permitiu, a partir da década de oitenta fazer um deslocamento do campo da moral para o campo científico as Ações de investigação de paternidade. Antes dos exames em DNA, a busca pela paternidade consistia em saber, através de testemunhas, com quantos homens a mulher tinha mantido relação sexual.

A mudança dos costumes e da moral sexual, associada à evolução tecnológica e científica, alterou profundamente as representações sociais da família. Sexo, casamento e reprodução, esteios da organização jurídica da família, se desatrelaram definitivamente. Não é mais necessário sexo para haver reprodução, e o casamento há muito tempo não é mais o legitimador da sexualidade. Sexo pode ser só pelo sexo, pelo prazer, ainda que algumas religiões não admitam e continuem com um discurso na contramão da história, moralista, e hipócrita.

Contra os fatos da vida não há contra argumentação. Felizmente, a família deixou de ser, essencialmente, um núcleo econômico e de reprodução. Hoje ela é muito mais o espaço do amor, do companheirismo, da solidariedade e do afeto. Um locus para a construção do sujeito e de sua dignidade. Por mais que fiquemos amedrontados ou irresignados, a família foi, é e continuará sendo o núcleo básico de qualquer sociedade. Por mais que variem ou sejam diferentes essas formas de constituição das famílias, por mais que estejam presentes os interesses de mercado, da sociedade do espetáculo e do consumo, por mais variadas que sejam as formas de manifestação da sexualidade, em sua essência está um núcleo estruturador e estruturante do sujeito. Com ajuda ou sem ajuda de artifícios da evolução científica, dar e receber amor continua sendo o eterno desafio humano. Certamente estamos diante da velha e sábia fórmula de Platão: o amor para permanecer o mesmo deve mudar sempre.

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* Rodrigo da Cunha Pereira, 49, Doutor em Direito Civil (UFPR), Advogado, Professor da PUC/MG e Presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM.

O artigo foi publicado originalmente no jornal Estado de Minas de 29/09/07.